O uso da variável Ele/Ela por um grupo de homens cis gays: linguagem, gênero e avaliação linguística
Data
2025-03-12
Autores
Maciel, Suely Claudia Lobato
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Resumo
Esta tese apresenta-se à linha de pesquisa da Sociolinguística em sua perspectiva estilística (Eckert, 2005; 2012; 2016), adotando uma abordagem quantitativa/qualitativa. A partir de pesquisa etnográfica participante (Severino, 2007; Mainardes, 2009; Ataídes; Oliveira; Silva, 2021), escolhemos nosso objeto de estudo (a variação no uso de ele/ela por um grupo de homens cis gays) e elaboramos o objetivo geral: analisar o significado social da variação de gênero gramatical no uso do pronome pessoal reto de terceira pessoa – ele/ela – dentro de um grupo formado por cinco homens cis autodeclarados gays, em situações formais e informais de interação. Questões referentes à linguagem e gênero vêm sendo problematizadas desde a segunda metade dos anos 1900, quando trabalhos como o de Lakoff (1973) buscaram diferenciar a linguagem de homens e mulheres. No entanto, em uma perspectiva em que o gênero é concebido como um construto histórico social do indivíduo (Veloso, 2014; Santana, 2018; Mendes, 2018; Ribeiro, 2021), ainda há poucos estudos sociolinguísticos realizados e desejamos que este trabalho possa se unir a eles. Nossa pesquisa foi desenvolvida em uma comunidade de práticas (Eckert; Mcconnel-Ginet, 2010) localizada na cidade de Belém, a ONG Arte pela Vida, que desenvolve ações em prol de pessoas que vivem com HIV/AIDS. Para comprovar nossa tese de que a utilização de ela, para se referir a um homem cis gay, está sujeita a fatores externos à língua e vinculados diretamente ao papel que os sujeitos desempenham no momento da interação, isto é, à construção de suas personas, empreendemos uma pesquisa etnográfica participante durante 21 meses. Nesse período, realizamos gravações em áudio e vídeo de interações ocorridas com/entre os sujeitos observados, entrevistas, questionários e testes de avaliação linguística referentes ao uso de ela para se referir a um homem cis gay e à “linguagem neutra”, a qual acreditávamos, em princípio, que encontraríamos na comunidade. Após análise dos dados obtidos com as gravações, concluímos que: (i) em interações formais, o uso, pelos participantes, da variante ele e de outras palavras no masculino para se referir a um homem cis gay é categórico; (ii) nas interações informais, o uso das variantes não é absoluto, estando condicionado à persona construída no momento da interação; e (iii) o emprego da linguagem neutra dentro dessa comunidade de práticas é limitado ao uso do pronome todes geralmente em aberturas de eventos e reuniões, o que corrobora as conclusões a que chegamos após análise das respostas às entrevistas, quando evidenciamos que: (iv) os sujeitos da pesquisa não utilizam ou utilizam pouco a linguagem neutra, mesmo com outras pessoas LGBTQIA+; (v) esse pouco emprego se deve a sua moderada aceitação pela maioria desses sujeitos; (vi) a variante ela é utilizada em momentos de descontração; (vii) seu uso para se referir a um homem cis gay é uma marca de pertencimento ao grupo; e, (viii) quando empregada por pessoas externas a ele, causa desconforto à maioria dos sujeitos da pesquisa. Isso foi ratificado com as respostas ao teste de avaliação linguística, as quais demonstraram que: (ix) a aceitação do uso da variante ela é condicionada ao grau de proximidade dos interlocutores e ao contexto de interação, sendo melhor avaliado quando o falante é um amigo e a interação é informal; (x) as três únicas respostas unânimes entre os participantes referem-se à avaliação negativa relacionada ao fato de um homem heterossexual se referir a um homem cis gay utilizando o pronome feminino quando o contexto interacional é de formalidade; e (xi) a maioria dos sujeitos da pesquisa considera nada comum o uso da linguagem neutra por pessoas que não pertencem à comunidade LGBTQIA+ e indiferente quando o emprego ocorre dentro dessa comunidade, ou seja, em sua visão, o uso acontece, mas não de forma significativa. A partir de todas as análises realizadas, concluímos que os fatores socioculturais que propiciam a utilização do pronome ela para se referir a um homem cis gay estão diretamente vinculados à performance dos sujeitos da pesquisa durante as interações, quando avaliam o local em que estas ocorrem, sua relação com o(s) interlocutor(es) e a imagem que desejam projetar. Dito de outra forma, a variação ele/ela é um elemento linguístico empregado na construção estilística de suas personas
Descrição
Palavras-chave
Pronome ela, Gênero, Estilo, Avaliação linguística, Comunidade de práticas, ONG Arte pela Vida, Estudos da linguagem, Linguagem, Estudo e ensino, Sociolinguística, Gramática